Estrelas e Quinas

3/1/96

Jorge Braga de Macedo

PRESIDENTE PROTECCIONISTA?

Troquei o TAP da noite por um BA da tarde para poder ouvir o debate do passado dia 21 de Dezembro. Era o ˙ltimo e era a dois, iam-se discutir-se ideias. Ia de viagem no inÌcio do ano, sÛ voltando na madrugada de 14 de Janeiro: n„o podia deixar de assistir. Ia ser ˙til no jogo de encontrar o suporte polÌtico para tantas ideias que falta concretizar por um Portugal melhor. Ou, talvez mais difÌcil, de encontrar o discurso polÌtico para n„o concretizar falsas soluÁıes, emendas que s„o piores do que o soneto, ou, simplesmente, m·s ideias.

Cada um dos dois candidatos me È pessoalmente simp·tico, sem prejuÌzo da confianÁa polÌtica num deles e da inquietaÁ„o relativamente ao passado do outro. De qualquer modo, ambos tinham consciÍncia nessa noite que, como potenciais representantes de todos os portugueses, deviam transmitir uma ideia de Portugal que mobilizasse os cidad„os. N„o podiam contudo perder de vista que o sistema portuguÍs d· ao governo os poderes de gest„o e ao parlamento os poderes de fiscalizaÁ„o e parceria. Ao chefe do Estado - comandante supremo das forÁas armadas - d· poderes de excepÁ„o, o apan·gio verdadeiro da soberania do povo num mundo interdependente dominado pela gest„o das aspiraÁıes mais ou menos legÌtimas de interesses instalados ou grupos de cidad„os interessados.

Tudo isto para dizer que os limitados poderes correntes do presidente da Rep˙blica n„o devem iludir: se algum dos Ûrg„os de soberania detÈm uma parcela individualiz·vel de poder soberano, È esse. E tambÈm h· a tradiÁ„o do 5 de Outubro de 1910, que quiz ver no presidente um rei eleito, e que n„o foi quebrada na ConstituiÁ„o do Estado Novo a n„o ser pela revis„o de 1958. Enquanto tivemos governos sem qualquer base parlamentar durante quase 40 anos dos 85 que leva a Rep˙blica, sÛ n„o houve presidente eleito durante menos de metade desse perÌodo.

Foi com este enquadramento mental que aterrei na Portela pouco depois das 22 horas, comeÁando por ouvir o debate. N„o cabe glosar o muito que j· foi dito acerca do que os candidatos disseram. Porque h· uma afirmaÁ„o do candidato da esquerda que me deixou estarrecido, mas que n„o teve qualquer eco nos meios interessados. Mais, quando falo nessa enormidade em conversa, tenho observado reacÁıes v·rias, que ali·s se n„o excluem. Uma È variante de ìcoitado do cavaquistaî, outra È variante de ìele n„p percebe nada de economiaî, outra ainda ìcomo ninguÈm percebe, n„o tem import‚nciaî. Ora n„o È assim. Tem ainda mais import‚ncia o que ninguÈm percebe, se nos permite adivinhar o que est· para vir. Podemos estar impotentes para mudar o curso dos acontecimentos mas nem por isso devemos desistir de alertar os outros cidad„os contra algum defeito de formaÁ„o de um candidato presidencial. Defeito oculto ou n„o, pouco importa. O presidente de todos os portugueses È, na verdade, o primeiro dos cidad„os, cuja imagem projecta a identidade nacional. AscÈtico como o General Eanes, ou folgaz„o como o Dr. Soares, È o Portugal que os portugueses podem apreender entre a glÛria do passado distante, a frustraÁ„o de um presente marcado pela dependÍncia dos ciclos de negÛcios internacionais e a esperanÁa de um futuro interdependente, em que a Europa e a lusofonia se completem reforÁando a coes„o nacional.

N„o h· esperanÁa sem interdependÍncia, isso È claro para todos os cidad„os que criam riqueza, mas tambÈm para os consumidores que se habituaram ‡ qualidade e ‡ variedade dos consumos, o que implica a competitividade das empresas nacionais. Quem disser que os portugueses n„o querem enriquecer, ou que os que querem n„o tÍm ìsensibilidade socialî aliena num ·pice a classe mÈdia e a juventude, e talvez faÁa franzir o sobrolho ‡ terceira idade, desconfiada da ideologia distributiva com a qual cresceu, quer nos ˙ltimos 20 anos, quer mesmo antes. Em suma, nenhum polÌtico vai defender abertamente o proteccionismo alfandeg·rio de outras eras, ˙nica forma, ali·s ineficaz, de conseguir extraÌr receitas que permitissem servir a dÌvida externa.