Economia Suave
Jorge Braga de
Macedo
Saia
do meu imposto!
Os impostos - que a cada contribuinte
concreto tanto custa pagar - são um recurso comum para financiar despesas, as
quais se chamam públicas e até universais - embora beneficiem grupos sociais determinados.
É esta a maravilha do orçamento do
Estado: cada grupo social tenta afectar impostos a despesas em bens, serviços ou
transferências para assim as tornar suas - no presente e no futuro. A
constituição fiscal define esse processo (explícito ou não) que incorpora orçamento,
segurança social, empresas públicas, regime cambial e padrão monetário. Não
vale alargar a base de incidência fiscal ou reforçar a ligação entre
contribuintes e beneficiários de transferências, porque pode implicar um maior
imposto para mim. E já agora, complique-se o processo para não se perceber que
o imposto é meu!
Esta resistência fiscal lembra-me uma
das primeiras músicas de Mike Jagger (que aliás, antes de se tornar o rocker
mais durável do mundo, passou pela London School of Economics): “hey
you, get out of my cloud!”. Insistindo na
adaptação lírica, se o meu imposto tem os contornos indefinidos da nuvém
dele, isso é mau para a transparência e simplicidade das relações do cidadão
contribuinte com o Estado. Dito de outro modo, quando a constituição fiscal é transparente
e simples, o contribuinte paga o seu imposto, não quer que saiam dele.
A nossa constituição fiscal ainda
reflecte a circumstância de, durante séculos, arrecadar impostos ter sido um esteio da defesa nacional. Antes
da declaração de inconvertibilidade do real em 1797, a Coroa faliu uma vez enquanto
na Espanha, mais ofensiva, faliu seis vezes. Quando surgiu a liberdade política
e terminaram as guerras de vizinhança, instalou-se entre nós o hábito de o
Estado não pagar as suas dívidas. Pior, a saída do padrão ouro em 1891 levou ao
desaparecimento da liberdade financeira - que os republicanos julgaram
incompatível com a liberdade política. Cem anos mais tarde, a transição para o euro trouxe uma “boleia de juro”, o endividamento
disparou e a competitividade caiu. Nem o euro venceu a
nossa resistência fiscal ancestral!
Bem andou pois o Compromisso Portugal
ao incluir uma secção “orçamento do Estado” nas suas trinta perguntas sobre o
futuro, das quais destaco duas, referentes à explicitação das verbas já
comprometidas que irão constar de futuros orçamentos e à apresentação de contas
geracionais. Trata-se de ideia aqui defendida há semanas com o título “Amanhãs que custam” e já foi utilizada para Portugal tomando 1995 como base.
Esta metodologia permite calcular os
impostos líquidos de transferências (entre as quais as despesas de educação que
praticamente desaparecem depois dos 20 anos) ao longo do ciclo vital das
gerações vivas, obtendo os pagos pelas gerações futuras através do respeito dos
compromissos assumidos na constituição fiscal.
Na simulação, os recém-nascidos
(hoje com nove aninhos) pagavam tanto quanto recebia a geração dos setenta e as
gerações futuras pagavam o mesmo que as dos vinte e trinta, que estavam no topo
da sua capacidade contributiva, ou seja mais 70%! Em alternativa, podia-se
aumentar todos os impostos em 4% ou reduzir despesas e transferências em 10%
(como o imposto é recurso comum, “rende” mais na correcção do
desequilíbrio...).
A alternativa do “après moi le
déluge” arrisca uma ruptura de pagamentos, como as falências de antanho. Ainda
que remota, tal expectativa pode levar as gerações recém nascidas a sair, não
só do imposto como do país.