Economia
Suave
Jorge Braga de Macedo
Porquê e como
A economia global não pesa tanto como
dantes, passou de grave a suave. Deixou de estar baseada nas mercadorias para
se tornar incorpórea, sem tempo nem lugar fixo. Dito de outro modo, os bens
valem cada vez menos serviços.
O espectacular processo de crescimento do
valor (que não do peso) do produto anual em bens e serviços durante o século XX
mostrou que a alta produtividade nos países desenvolvidos depende tanto das
instituições de governo como das máquinas que as pessoas utilizam. O
equipamento mais valioso na economia suave chama-se conhecimento. O saber não
ocupa lugar, mas há concorrência na sua aplicação a bens e serviços e criam-se
novos mercados à escala mundial para quem sabe aplicar, ou aprende hoje para
saber melhor amanhã.
O valor do produto desafia pois a medida
fixa tão ao gosto positivista, variando no tempo e no espaço. Definir quanto
vale o produto mundial depende de um padrão internacional de valor que (ao
contrário do grama ou do metro), é debatido entre historiadores económicos, sem
solução pacífica à vista. Felizmente, debates científicos como este alargam a
base de conhecimento disponível, e com ela o bem comum. Infelizmente há pessoas
e países excluídos da economia global, prisioneiros da economia pesada e
fechada de antanho.
Ainda por cima, quando se fala de
economia, perduram entre nós imagens da revolução industrial, do que se julgam
ser tempos modernos, carvão, aço, altos-fornos. E assim, esquecido o fidalgo-mercador dos descobrimentos, há quem julgue
proteger o produto interno fechando a economia, quando é preciso abri-la para o
valorizar.
Registámos quatro mudanças de regime
político no século passado (fora dezenas de tentativas falhadas de golpe de
estado). Estas mudanças marcaram mais o ambiente sócio-económico do que
revoluções agrícolas, industriais ou tecnológicas, falhadas ou não. Num povo de
emigrantes também marcam as saudades de uma vida campestre, julgada mais suave
do que a citadina. Como em 1910, 18, 26 e 74 foram maltratadas a liberdade
política, a financeira ou ambas, o tom da discussão económica popular continua
grave, e o rigor associado à tirania. Com tanta revolução, ganhámos medo à
evolução.
Não podia ser menos revolucionária a
etimologia da palavra economia, que em grego quer dizer “arrumar a casa”: a boa
dona de casa e o bom pai de família instituem regras simples que se possam
cumprir no quotidiano. Na economia política, segundo a mesma etimologia,
trata-se de pôr ordem na cidade, apelando para o bem comum dos cidadãos em vez
de recorrer ao terror das armas, das ideologias ou dos números. Repitamos: contra
tom grave, economia suave!
Visto o “porquê” desta coluna, algo sobre
“como”. Em Economia Suave vou
alternar com Avelino Crespo, pseudónimo que, durante quase dez
anos, publicou no Correio da Manhã uma coluna
intitulada Portugal Economia Aberta.
É comum o propósito de explicar a realidade nacional, europeia, lusófona e
internacional que nos rodeia recorrendo a regras da economia que escoram a
cidadania. Não podemos aceitar responsabilidade pela eventual confusão com uma
marca de cigarros que ostentava a Torre de Belém. Lá porque o monumento também
serviu de prisão, não se deve conotar com economia pesada nem com economia
fechada!
Vamos assim procurar o bem comum dos portugueses ao longo das semanas de um
ano em que a economia americana, campeã indiscutível da economia sem peso, se apoia
em gigantes emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China, os Brics), que pesam no jovem euro e
na Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano. Enquanto a Europa se
organiza, saberão os empresários surfar a onda dos Brics,
aproveitando iniciativas como o Fórum sino-lusófono de Macau ou o projectado
Conselho Empresarial da CPLP? Valorizaremos as pertenças dos portugueses na
economia global ou ficaremos prisioneiros do tempo e do espaço, com medo da
ordem na cidade e das liberdades que a sustentam? São questões sem solução
pacífica à vista, mas de que depende a esperança dos portugueses no novo ano.