Expresso, Secção Economia Suave
Artigo 13a → 26/6/2004
Jorge
Braga de Macedo
António Sousa Franco testemunhou momentos altos da minha vida estudantil na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Ao longo de quatro décadas,
três das quais filiado na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa,
o testemunho original cresceu, multiplicou-se e sustentou afinidades - disciplinares e electivas.
Com saudade evoco aqui algumas recordações mais recentes. Em 1998 em Kiev impressionou-me
com o conhecimento do culto cristão uniata local, de que só por meu Pai ouvira
antes falar. Em 1999, acolheu no Terreiro do Paço os meus alunos de introdução
à macroeconomia e deu uma aula sobre rigôr orçamental cá dentro e lá fora.
Recordo ainda aqueles momentos altos, como fiz numa conferência sobre
globalização pronunciada no Museu de Angra de Heroísmo em 11 de Junho. Sousa
Franco assistiu à minha prova oral de economia política, regida na altura por
João Lumbrales, à qual cheguei com uma nota alta demais, e à de finanças,
regida por Pedro Martínez, donde saí do mesmo modo.
Encorajou-me a estudar economia nos Estados Unidos, afirmando que eu não lhe
parecia ter vocação de emigrante. Tinha toda a razão no que toca à terra onde
nasci mas, no que toca à disciplina, quando conversámos eu já migrara do
direito para a economia.
As nossas afinidades, talvez mais do que disciplinares foram pois
interdisciplinares entre o direito e a economia. E o objecto preferencial dessa
curiosidade interdisciplinar tem sido o papel da política pública na economia,
ou seja como “arrumar a casa” para a nação Estado enriquecer. Ora a política
pública nada consegue melhorar sem uma apropriação dos conhecimentos que servem
de base para as deliberações e decisões dos sectores privado e público.
Abordagens disciplinares estanques prejudicam essa apropriação, a que é costume
chamar hoje em dia propriedade (ownership),
o prolongamento tomístico da personalidade.
A legitimação da concertação social através do
funcionamento das instituições de diálogo é comum nos países da OCDE, e
reconhecido, por exemplo, no funcionamento dos comités consultivos patronal e
sindical que se articulam com as reuniões ministeriais e o secretariado. Daí a
necessidade de um duplo enfoque sobre globalização e governação para manter a
esperança no desenvolvimento global, enfoque esse que legitima subordinar
interesses particulares, posto que instalados.
Usando as combinações diversas da liberdade política e financeira e das
múltiplas pertenças dos cidadãos, conseguem-se apontar interacções positivas ou
negativas de globalização e governação. A história de Portugal mostra ambas,
com frequência quase igual nos últimos 170 anos para os quais se conseguem
dados sobre governação e crescimento.
Estas interacções reconhecem insuficiências na globalização comercial e
financeira, embora o mau governo seja um obstáculo incontornável à procura
nacional do bem comum. Aliás, as falhas de governação podem ser tão graves que
configuram uma ameaça para a segurança global.
A lição dos Estados falhados é particularmente sentida nos trópicos, onde
ali’as comecei a ensinar economia, após regressar dos
Estados Unidos, servir como assistente na Faculdade de Direito de Lisboa e ser
mobilizado para fazer o serviço militar em Angola. Desde então, a esperança no
desenvolvimento que Sousa Franco mantinha para o lado de cá dos trópicos tem
sido uma afinidade para o lado de lá.