Economia Suave
Governação económica europeia
Jorge Braga de Macedo
Quando sair esta coluna, estarei a regressar de Cabo Verde, onde me levaram
temas de governação lusófona, nomeadamente o III Fórum Empresarial da CPLP. Aí
apresento uma publicação do IICT sobre parcerias público-privadas
baseada numa conferência na Universidade Católica de Angola, país membro da
CPLP que detém a presidência inaugural do respectivo Conselho Empresarial.
A relação com a governação europeia do título é mais o mero reflexo das duas
pertenças fundamentais dos portugueses, a Europa e a lusofonia.
Tanto mais que, num caminho não-euclideano para Cabo
Verde, intervim sobre governação europeia no Senado francês -
insistindo apenas sobre Lisboa. Não Lisboa enquanto uma das oito capitais
lusófonas, sede da CPLP, mas Lisboa enquanto bandeira de uma estratégia
comunitária destinada a transformar a economia europeia na mais competitiva do
mundo em 2010, acordada durante a segunda presidência portuguesa do Conselho
Europeu em 2000.
Desde então, o apelido Lisboa serve para evocar a governação económica
europeia em qualquer parte do mundo. Só que, ao contrário do fado da Amália, o
primeiro nome do apelido não é Maria mas abandonada, ou pelo menos adiada.
Defendem os peritos da Comissão que o adiamento é culpa dos estados membros
e sem dúvida que têm razão. Sem embargo, um recente Relatório da Comissão ao
Conselho – simplesmente intitulado “entregando
Lisboa” – descreve o triste fado europeu em contraste com o corridinho
americano e asiático. E com um triste fado europeu, Portugal fica mais triste
ainda.
De facto, a economia portuguesa depende da interacção entre a economia
global e a governação nacional e europeia. Se esta interacção for positiva, a
economia será globalmente competitiva, atraindo activos e criativos de todo o
mundo. Se a interacção for negativa, a governação nacional tenderá a
esvaziar-se, e os activos e criativos deixarão o território. Esta atracção para
os economistas chama-se exportação. Ou seja, do ponto de vista da economia
global, exporto logo existo. E não exporta quem quer,
exporta quem souber. Mais, a reputação de saber nunca se pode considerar
adquirida, porquanto os melhores padrões mundiais também mudam. Tanto as
empresas como a administração pública têm de continuar a alterar o modo de
fazer as coisas, porque só assim conseguem prosseguir duravelmente
o bem comum. Se a governação económica europeia for inadequada, pouco importa
aos potenciais investidores americanos e asiáticos, ou aos jovens criativos
europeus, qual o nível que tem culpa, se a união, a nação ou a cidade.
Na intervenção, perante Raymond Barre, Mário Monti e outros obreiros da Europa, salientei as condições
para que uma governação económica europeia capaz de entregar Lisboa. Comecei
por recordar como a política económica assenta na combinação entre política
monetária e financeira (que tantos haviam aprendido no manual de Barre…), e na
articulação da política macroeconómica com políticas estruturais, nomeadamente
a política de concorrência, chave de uma interacção positiva entre as empresas
e o conhecimento. Insisti na necessidade de obter informação fiável e na
dificuldade que o Eurostat revelava em dar vazão ao
trabalho de fundo sobre o cumprimento do Tratado em matéria de défices
orçamentais excessivos. Por maioria de razão os indicadores do mercado interno
e da estratégia de Lisboa continuam a constituir uma base insuficiente para
sustentar um exercício de pressão dos pares, até porque, mais de dez anos de
pois das primeiras tentativas (ditas processo do Luxemburgo), as Grandes
Orientações de Política Económica continuam divorciadas das medidas
estruturais. Monti lembrou que, numa política
comunitária como a da concorrência (que vem do tratado de Roma), inverte-se a pergunta de Kissinger,
já que o telefone europeu é só o do Comissário responsável, ao passo que nos
EUA há o Department of Justice e
a Federal Trade
Commission. Claro que esta simplicidade se não
aplica à governação macroeconómica, porque a combinação entre política
monetária e financeira não obedece aos requisitos de simplicidade e
responsabilização exigidos no manual de Barre. O mesmo se diga do processo de
Lisboa, essencial para uma articulação eficiente entre macroeconomia e reformas
estruturais.
Aproxima-se a avaliação de meio tempo e o presidente indigitado da Comissão
já deu indícios de querer responsabilizar os estados membros pela entrega de
Lisboa. Conseguirá?