Quiz o
destino que estivesse perto da Sorbonne no Sábado dia 18 à noite. Testemunhei assim um dos afrontamentos
entre polícias e manifestantes à volta da cerca metálica que veda o acesso ao
célebre quarteirão. Ali mesmo, há quase quarenta anos, Danny “o vermelho” deu a palavra ao velho poeta
comunista Louis Aragon em nome da liberdade de expressão, dizendo: “aqui todos podem falar - mesmo os
traidores!”.
Como se
sabe, Maio de 68 ficou na história socio-política francesa porque os referidos
“traidores” se aliaram aos estudantes da vizinhança. Mais precisamente, os acordos de
Grenelle enterraram a ilusão gaulista do franco forte e do pleno emprego – a
primeira até ao euro, a segunda até hoje.
Mas Maio de 68, como na altura notou Raymond Aron, prejudicou a empregabilidade
futura dos quadros franceses. Se antes da revolução o que os
estudantes aprendiam não servia o mercado, quanto mais depois ! A disfunção do sistema de ensino reflectiu-se em
sucessivas tentativas de reforma travadas na rua mas, até agora, a violência urbana do ano passado tinha
poupado o centro de Paris - e o seu capital turístico.
Quando a
resistência popular à mudança faz cair governos, as reformas estruturais tornam-se
precárias, quase furtivas. Assim aconteceu com o contrato de novo emprego
(CNE), destinado às pequenas empresas, e que se diz ter criado centenas de
milhares de empregos, muitos dos quais tão precários como os que o CPE pretende
regular: mas não se tornou pretexto porque, ao contrário do CPE, poupou os sindicatos do
sector público.
Só assim se explica
ter-se ignorado a complementaridade das reformas estruturais, neste caso as
incitações aos mais qualificados a procurar o primeiro emprego e aos menos
qualificados a qualificar-se, como quer, em toda a Europa, a agenda de Lisboa
cujo relançamento em Bruxelas assente na complementaridade
das reformas estruturais se esperava para este Sábado mas que esteve
quase ausente da discussão do Conselho Europeu.
Neste
contexto nacional e europeu, a resistência popular ao CPE vai muito para além
do seu desenho imperfeito e da ausência de concertação. Muitos estudantes, sobretudo os de
gestão, criticam antes a timidez do CPE perante os desafios da globalização. Para Sarkozy,
“solidário mas diferente”, executa-se o CPE durante seis meses,
para ver o que dá. Reforma precária para a geração precária deixar de o ser? Apetece
dizer só com Lisboa, e não é por ser alfacinha…
Jorge Braga de Macedo