Europa seguro contra a voracidade
por
Jorge Braga de Macedo
OCDE e FEUNL
Introdução
Coimbra tem para mim um significado especial: logo a seguir a formar-me, menino e moço, vim cá para conhecer o Prof. Teixeira Ribeiro que era uma referência. Lembro-me bem dessa visita, no Verão de 71 e queria evocar aqui a memória de quem para muitas pessoas foi um dos grandes pensadores da economia portuguesa e também de questões monetárias e orçamentais. Aliás, a minha exposição vai centrar-se no domínio fiscal, especialmente naquilo que chamarei uma constituição fiscal que favorece a voracidade contra o bem comum dos portugueses. Vou argumentar que a flexibilidade na integração europeia - aceite na resolução 21/95, de 8 de Abril da Assembleia da República como configurando uma ideia portuguesa da Europa - pode funcionar como seguro contra a voracidade fiscal.
Organizei o argumento em três secções, intituladas respectivamente bem comum e pressão externa, convergência e voracidade, Europa flexível e próxima, tendo seguido de resto a apresentação oral do Outono de 2001.
Bem Comum e Pressão Externa
Como vou usar várias analogias musicais, começo por dar o mote: a reputação que pode adquirir alguém ou um país, um conjunto de pessoas, nunca se pode considerar adquirida, temos sempre de ambicionar os melhores padrões mundiais. Os países têm de continuar a alterar o modo de fazer as coisas – quando digo os países estou a falar tanto das empresas como da administração pública, porque só assim conseguem prosseguir duravelmente o bem comum. Portanto, o mote é uma perspectiva de bem comum: nós participamos da construção europeia na medida em que isso favorece o bem comum dos portugueses (cf. o meu livro de 1999, cuja lista de referências úteis não repito aqui).
Entendo esse bem comum de uma maneira específica, assente num ciclo virtuoso entre liberdades e pertenças, e aqui entra o elemento económico que é, evidentemente, central na minha exposição e na proposta de abordagem fiscal que quero aqui trazer. Nas liberdades, incluo dois aspectos que andam normalmente divorciados. O primeiro aspecto, herança dos tempos modernos dos últimos duzentos anos, é a liberdade política, os direitos, liberdades e garantias a que os anglo-saxónicos chamam "direitos civis". Mas há depois aquilo que chamarei a liberdade financeira que tem a ver com os direitos de propriedade e mais especificamente com a capacidade que tem um cidadão de utilizar a sua riqueza não só no país sob cuja moeda vive mas em qualquer outro. Esta liberdade financeira tem uma importância muito grande porque é ela que norteia as liberdades futuras. A liberdade política verifica-se (ou não) num determinado momento mas ao introduzir a liberdade financeira estamos a introduzir um grau de previsibilidade e de sustentabilidade nas políticas, em particular nas políticas fiscais, que se configura como liberdade (política e financeira) futura.
Ora, a tradição e o pensamento político português, particularmente nos últimos duzentos anos, andam avessos a juntar estas liberdades. Até diria que nos últimos cem anos se pensa que há uma contradição: quando existe rigor nas finanças é porque há ditadura e quando há democracia é o forrobodó (expressão típica da monarquia liberal). Ora bem, esta contradição, mito fundador para várias gerações republicanas, afecta muito a construção de um país coeso do ponto de vista económico, social e político. Tal não é o caso em muitos outros países europeus em que o entendimento da ligação entre a liberdade política e financeira é obvio e não é visto só como "só para os ricos".
Como há esta ideia em Portugal, é mais difícil a ligação dos cidadãos residentes e da diáspora portuguesa, dos emigrantes que não sejam seus familiares. É que, para estes últimos, a liberdade financeira é uma realidade palpável.
Não pára aqui a noção de bem comum porque há a questão das pertenças, e essas também são múltiplas. Quero salientar que é possível enquadrar bem as pertenças em duas, embora possa haver mais, desde logo de natureza local. Trata-se das pertenças europeia e lusófona. Portugal tem um sentimento de pertença quer em relação à Europa, é indiscutível e não é sequer polémico aqui, mas também há uma dimensão lusófona que tem a ver com o nosso modo de expressão, com a ligação com o Brasil e com África. Tenho prazer em dizer isto porque comecei por analisar estes assuntos numa contribuição que fiz ao livro em homenagem ao nosso moderador e nessa altura é que tentei arquitectar esta ideia do bem comum (ver lista de referências do meu 1999).
Umas vezes, o nosso país tem um ciclo virtuoso em que combina as liberdades políticas e financeiras, por um lado, e a pertença europeia e lusófona, por outro. Há uma sinergia, há um ciclo virtuoso, prossegue-se o bem comum dos portugueses. Mas há outras vezes em que lamentavelmente não conseguimos fazer isso. Temos a ideia de que se há liberdade política é porque concerteza há instabilidade financeira e se há estabilidade financeira é porque deve haver uma ditadura qualquer. Se há democracia, se há eleições livres, então deve haver alguém arrogante a querer oprimir-nos porque senão não poderia haver liberdade financeira! Da mesma maneira, se apostarmos na Europa, como se fez na altura da nossa primeira presidência, há logo quem pense que então se esquece a África e a lusofonia!
Repita-se que, pelo contrário, um ciclo virtuoso concilia Europa e lusofonia. Nada disso, insistem, indignados, os defensores do mito, tem de optar: está daquele lado ou está daqueloutro. Isto que, dito assim, parece quase caricato, muito vezes anima o discurso vulgar da opinião pública em Portugal. Tentaria convencer-vos de que se trata de uma visão ultrapassada mas nem por isso quer dizer que desapareça porque dura já há várias gerações.
Então, como se assegura o ciclo virtuoso? Eu vou dizer que é a pressão externa (cf. o meu 1999). Só que a pressão externa não chega, ajuda mas não chega. Porquê? Vou referir-me a duas músicas populares para reterem melhor isto. Primeiro, sincronicidade. A falta de sincronicidade caracteriza o nosso percurso de integração. Durante os anos sessenta tínhamos proximidade económica mas afastamento político, éramos uma república dos pijamas, como nos chamou com tanta felicidade o Dr. Silva Lopes, que já aqui foi várias vezes referido (não confundir com república das bananas, que há menos uns anos atrás alguém responsável garantiu não sermos). Depois desse período de grande aproximação económica, indiscutível, e de afastamento político, aconteceu o inverso. A seguir à revolução, houve uma aproximação política, indiscutível também, mas um afastamento económico em que ficámos a ser basicamente governados pelo Fundo Monetário Internacional, porque era impossível haver aqui uma governação que preservasse a tal liberdade financeira. Praticamente só se conseguiu combinar aproximação económica e política depois da revisão constitucional de 1989, e portanto da estabilização da mudança de regime económico na direcção da modernização, da privatização e da convertibilidade cambial. Mas a combinação positiva revelou-se frágil e ténue, por isso a falta de sincronicidade ainda nos afecta hoje em dia.
Convergência e Voracidade
A segunda analogia musical refere-se à constituição fiscal, um conceito sobre o qual não vou ter tempo de me alongar, mas que em Portugal quer dizer voracidade contra o contribuinte mediano. Quero assegurar que não é a constituição jurídica nobre que outros pensem invocar nesta sede mas sim um conjunto de regras que disciplina o modo como os recursos privados são arrecadados pelo Estado e depois distribuídos outra vez em favor de grupos sociais. Trata-se, portanto, dos vasos comunicantes e do modo particular como os grupos económicos públicos ou privados conseguem absorver uma parte das receitas dos impostos que aliás pagam. Há aqui uma visão que está muito bem definida com outra música (esta dos Rollings Stones) de que alguns se lembrarão, "Get out of my cloud", aqui é "Get out of my tax!" Quer dizer estou a pagar um imposto mas dentro de certas circunstâncias eu não estou a pagar um imposto, vou receber depois um subsídio, e o que eu não quero é que toque naquilo que parece ser um imposto que parece que estou a pagar, porque na realidade vou recebê-lo. Daí a voracidade que caracteriza certos sistemas em que a constituição fiscal é mais opaca, ou o governo mais dependente dos interesses instalados, sejam privados sejam do estado.
Reparem que a constituição fiscal tem igualmente uma dimensão monetária, não é apenas o imposto que vem nos códigos. Trata-se, realmente, de tudo aquilo que afecta a propriedade privada, pelo que um excesso de impostos no futuro equivale a uma expropriação.
Digamos o que resulta desta visão, e que vou ilustrar com alguns gráficos, é que até agora não tivemos senão respostas defensivas e ambíguas à liberalização, nunca foram tão cooperativas como poderiam ter sido. Uma das razões para isso é o gradualismo a que nos obrigou uma grande instabilidade política – fomos seguramente o único país europeu que teve quatro revoluções, todas elas com objectivos redistributivos vários durante o século passado (a de 1910, a de 1917, a de 1926 e a de 1974) – quatro revoluções vitoriosas, para além de todas as tentativas que não foram vitoriosas. Portanto, a sociedade habituou-se a uma desconfiança muito grande relativamente ao poder político e daí os interesses instalados serem vorazes para controlar em seu favor a constituição fiscal.
O que está no gráfico 1 é para dar o enquadramento. Trata-se de um padrão internacionalmente reconhecido: são os dólares internacionais de 1990, um trabalho de Angus Maddison, (2001), que mostra o que se passou com o rendimento per capita português no pós- guerra. Vê-se que há dois episódios de convergência, neste caso de convergência de padrões de vida, com toda a Europa (inclui aqui a EFTA e a CEE) extremamente pronunciados mas que nos anos 50, houve até uma certa divergência devido ao tal milagre económico português – são os anos 60, o tal período de aproximação económica embora de afastamento político. Depois houve um período em que não houve convergência, antes pelo contrário houve altos e baixos – foi o período de sujeição ao Fundo Monetário Internacional em que houve aproximação política mas afastamento económico. Depois tivemos um novo período de convergência, que também é muito significativo (os dados de Maddison acabam em 1998).
Agora se passarmos ao gráfico 2 vemos o que deu a constituição fiscal. Usei as despesas primárias em percentagem do PIB porque, com a mudança de regime que se verificou a seguir à revisão constitucional de 1989, houve uma diminuição espectacular dos juros, e portanto o que interessa nas despesas são as despesas em bens, serviços de transferência, objecto verdadeiro da política orçamental visto que pagar os juros é um serviço relativo a despesas anteriores.
Ora este gráfico revela uma subida sistemática. São dados que foram retirados da análise do FMI de fins de 2000 e portanto como é costume nos programas de dietas ou de deixar de fumar, amanhã é sempre diferente, portanto é preciso ver que quando diminuiu não é a realidade, era a previsão no momento em que se fez esta análise. A nova análise do FMI confirma que em 2001 ainda se conseguiu aumentar a despesa primária em percentagem do PIB.
Este padrão resulta da voracidade fiscal. Ora os grupos, públicos ou privados, que fazem parte do nexo capturada pela constituição fiscal mantiveram-se impunes e até aumentaram a voracidade para beneficiar dos fundos estruturais. Ora é esta a razão para estar inquieto quanto à possibilidade da economia portuguesa sem uma alteração profunda da sua constituição fiscal. Se esta alteração não puder ser imposta por fora, os limites da pressão externa estão na incapacidade em alterar este padrão de voracidade. Nesse caso, porém, nós não temos possibilidade de competir na Europa, muito embora estejamos no Euro, estaremos no Euro sem grande beneficio real para aqueles que residem e trabalham cá.
Para ilustrar um pouco melhor o efeito de voracidade visível no crescimento da despesa primária, o gráfico 3 mostra o diferencial da taxa de juro a longo prazo relativamente à média, que é no fundo uma indicação da reputação dos países, uma indicação da tal ideia de que há confiança do investidor internacional no país. Vê-se desde logo que o diferencial quase desapareceu, é o benefício do Euro para o financiamento do investimento. Mas também se vê que em 1989 e em 1991 tivemos aumentos do diferencial entre a taxa de juros e média europeia e que só depois é que começou a descer significativamente. Esta liberdade extraordinária que foi dada pelo facto de nós começarmos a pedir emprestado mais barato não foi aproveitada para fazer a modificação da administração pública portuguesa. Ora isto é gravíssimo. Estou, aliás, perfeitamente à vontade para o dizer porque, quando exerci funções governativas, tentei fazer essa reforma da administração pública e nisso tive um apoio constante por parte do Primeiro Ministro da altura. É verdade é que não conseguiu levar a cabo a reforma, mas também é verdade que desde então mais ninguém tentou. Enganamo-nos, não sei se de década talvez de geração mas o que é certo é que isso é neste momento uma necessidade absoluta de melhoria do sistema de administração e em particular do sistema fiscal a economia portuguesa, qualquer que seja a produtividade dos portugueses separadamente, não conseguirá prosseguir o bem comum dos portugueses e menos ainda fazer a tal combinação de pertenças europeia e lusófona.
O gráfico 4 mostra que, apesar daquelas inversões verificadas no início dos anos noventa, houve aqui uma oportunidade perdida e basta ver o que se passou com um indicador de competitividade muito usado que são os custos de trabalho unitários, portanto trata-se do custo do trabalho, não medido em unidades monetárias mesmo comuns mas medidos em unidades de produtividade – é um indicador que revela muito bem aqui, sobretudo a partir de 1995 altura do último realinhamento cambial da peseta e do escudo, nós tivemos uma melhoria da competitividade relativamente à média europeia mas depois um aumento extraordinário dos salários – ao ponto que a média dos dez anos é uma deterioração de competitividade a 2% ao ano durante dez anos.
Quaisquer que sejam os ganhos por via da eficiência do capital, do sistema bancário e da administração pública (que como se disse não ocorreu desde o falhanço de 1992/93) uma deterioração de competitividade deste teor é insustentável. Mais, já não há possibilidade de a corrigir, como, aliás, já não havia possibilidade de a corrigir, por via cambial pelo que não se perdeu muito, contrariamente ao que por aí se pensa, com a moeda única. Agora têm de se fazer reformas estruturais suplementares. A incapacidade em reformar o sistema de contratação e negociação salarial na administração pública também levou a uma grande dificuldade em moderar os respectivos salários.
Vejamos agora aspectos que têm a ver com a convergência nominal propriamente dita. Como é que se adquiriu a reputação financeira? Tenho de reconhecer que, ao contrário do que se passou com a EFTA ou com a OCDE e foi contado aqui por oradores que me precederam, trata-se de acontecimentos bastante recentes e portanto talvez não tenha a mesma liberdade para revelar os segredos da entrada para o Sistema Monetário Europeu do que eles, quando falaram de aspectos muito específicos da negociação, do papel dos funcionários, a relação que existe entre os titulares de órgãos políticos e os seus pares noutros países. Bastará dizer que no caso português o facto de se ter entrado no Sistema Monetário Europeu cerca de dois, três meses antes do Sistema entrar em instabilidade foi uma sorte porque, se não tivéssemos entrado naquela altura, só poderíamos entrar depois da estabilização do Sistema. Era mais que provável estarmos na situação em que esteve a Grécia, de ter que entrar na zona do Euro mais tarde com resultado muito pior visto que a política da Grécia foi muito mais responsável.
Quer isso dizer que seria necessariamente mau ter sido obrigado a um ajustamento orçamental, na despesa e na receita, durante a segunda metade dos anos noventa? Não. Agora, a Grécia está indiscutivelmente melhor que nós. O ponto era ter aproveitado a pressão externa para combater a voracidade fiscal, e continuar o combate mesmo depois dela abrandar com a entrada no Euro. Pelo contrário, desistiu-se de reformar a estrutura da economia e da administração pública mesmo quando a conjuntura internacional dava uma grande margem para enfrentar os interesses instalados.
A entrada no Sistema foi no último momento em que se podia entrar durante cerca de dez anos. E o importante na altura era evitar, quando já se verificavam algumas pressões especulativas, que houvesse, de facto, uma tentativa mal sucedida. E aí não há dúvida que foi essencial o papel da Comissão Europeia e eu queria salientar a importância que tiveram peritos da Comissão que estavam na altura no Ministério e que levaram a que entrada se fizesse com uma grande facilidade e tendo aceite até uma taxa que para nós era favorável, era um pouco menos elevada daquela que nós oferecemos que era de cerca de 180 escudos por ECU, na altura, mas como sabem acabou por ter uma importância extrema porque uma parte da competitividade que tínhamos perdido anteriormente podemos adquiri-la sem punição de juro.
Europa Flexível e Próxima
A partir do momento em que pusemos em comum a política cambial mesmo quando houve realinhamentos, não fomos castigados pela desvalorização – não houve castigo de desvalorização como se pode inferir dos números contidos, nos quadros 1 e 2, os quais julgo falarem por si (explicação no meu 2001). A razão foi que nunca iniciamos o realinhamento. Havia um processo comunitário doloroso para os responsáveis pelas finanças que tinham de telefonar para Bruxelas a dizer «Bem, tenho aqui um problema, queremos desvalorizar». No caso português nunca foi assim, foi sempre o espanhol que fez a chamada para convocar o Comité Monetário, hoje Comité Económico e Financeiro. As orientações que se davam às delegações para Bruxelas, era «Fica caladinho e no fim diz: "Bem nós até estamos bem, enfim mais ou menos, mas como os espanhóis desvalorizam e nós somos vizinhos, passamos a ter um problema também» e então desvalorizavam ou o mesmo montante ou um pouco menos e nalguns casos, num caso particular até, nem se seguiu a peseta.
O que é certo é que depois conseguimos fixar a taxa de 200 escudos por euro sem perda de reputação. Isto é um bom exemplo de estratégia cooperativa e não defensiva. Quer dizer entramos no jogo e soubemos jogar de acordo com as regras. Não houve nenhuma situação especial. Foi aliás um caso, reconhecido como tal, de bom aproveitamento da cooperação comunitária, não defensivo. Mas como sabem muito bem, essa estratégia não foi entendida entre nós.
Isto talvez se possa chamar a ressaca da cooperação e deve-se à resistência à mudança, que radico na voracidade fiscal. O Prof. Cavaco Silva, no seu livro As Reformas da década, diz que foi das reformas mais importantes, seguramente isso será assim mas não foi entendido como tal. As próprias elites empresariais, para não falar na administração pública, só começaram a convencer-se que isso era assim quando o governo subsequente, que muito tinha criticado essa tomada de posição, acabou por vir fazer exactamente a mesma coisa. Não sei se ganhamos muito com esse atraso na percepção por parte dos cidadãos residentes, mas o que é certo é que não consegui explicar que a medida estava muito próxima desses mesmos cidadãos, que se tratava da liberdade financeira deles, perdida desde 1891! Portanto, fica aqui, talvez, uma receita quanto à construção europeia: quando se tomam medidas de mudança de regime, mesmo que elas sejam bem aceites, mesmo que os funcionários tenham sucesso é depois necessário haver uma explicação. Penso que há aqui um papel para o Parlamento.
Passaria agora rapidamente a um aspecto que tem a ver mais com a arquitectura europeia mas que generaliza a opção pela resposta cooperativa e não defensiva relativamente à Comunidade. Aliás, tenho prazer de o dizer, foi uma inovação do Parlamento português, nos trabalhos que fez em preparação para a Conferência Inter-governamental de 1996. Porque havia muito, e o Hernâni acabou de o dizer, a mentalidade "aquilo é para sacar". Aquela ideia que eu mostrei há pouco, o tal efeito de voracidade (gráfico 2) é claro que os fundos estruturais ajudaram. É evidente que ali havia a ideia que tínhamos que redistribuir, temos que distribuir aqui umas benesses, vindo da Europa melhor, mais rápido, mais fácil. E isso era uma ideia de Europa, na expressão feliz de Eduardo Lourenço, da "árvore das patacas". É uma visão defensiva e que acaba por se destruir. Mas o Parlamento português aprovou com a resolução nº 21/95 citada no início uma base de negociação para o Tratado de Amsterdão onde se admitia a geometria variável, a que se chama a cooperação reforçada ou a flexibilidade de integração. E trabalhos que tenho visto sobre a integração europeia (posteriores aos constantes da lista de referências do meu 1999, como Baldwin et al, 2001 ou o meu 2001) mostram que, se há uma esperança para a construção europeia, ela vem pela flexibilização que nos dois casos em que se fez um esquema com base, embora sem lhe chamar assim, na cooperação reforçada que foi Schengen e o Euro, e em ambos os casos Portugal está no centro, foi um sucesso.
Quer dizer a máquina da Comunidade não está capaz de alterar a sua própria constituição fiscal, não está capaz de funcionar mas, quando existe flexibilidade e contratualização, como houve no Euro, então todos os países aprenderam um determinado código de conduta, que não estava escrito, que era o código de conduta da convergência.
Ainda hoje de manhã foi dito por um membro da Comissão a flexibilidade pode escorar a construção europeia. Curioso, portanto, aqueles que vêm dizendo que são os procedimentos tradicionais. Não são. São os procedimentos à margem. Ora o Parlamento português, em 1996, aprovou uma resolução contrariando a ideia de que devemos é estar como os outros e depois receber dinheiro, portanto com o receio de que se há esquemas de cooperação reforçada nós ficamos de fora e portanto é melhor não os propor. Isto não quer dizer que os esquemas de flexibilidade sejam uma panaceia. Claro que não são, mas são uma maneira de criar uma dinâmica europeia, uma bola de neve – e há trabalhos que estão a ser feitos em Florença nessa linha. Portanto, está aqui a visão, compatível com a multiplicidade das pertenças e das liberdades, que é a visão da construção europeia que se baseie na flexibilidade.
Queria terminar, agora, dando uma visão que não ficasse na Europa. Porque o que se viu aqui claramente e na era da globalização não podia ser de outra maneira, é que a Europa sempre esteve ligada a uma determinada visão do Atlântico, não só do Atlântico Norte como também, a presença lusófona obriga, para nós o Atlântico Sul. Ora, não há dúvida que experiência europeia, encarada da maneira como eu estou a encarar é muito mais exportável do que se pensa para o Mercosul ou para esquemas de integração asiática. Já não é preciso ter guerras civis, ter guerras de religião, ter os romanos, é simplesmente um método de cooperação que tem funcionada.
E isso é o grande contributo que a Europa pode dar e que não tem dado à discussão da arquitectura financeira internacional. Há instituições, como o Fundo Monetário Internacional que, embora continuem a falar de supervisão multilateral, trabalham em "top-down" – o que é mandado pelas equipas que vão aos países em dificuldade e que pedem apoio.
Não é este esquema de educação mútua do bom aluno que também muitas vezes não foi bem entendido que era o bom aluno que no fundo sentia que podia basear-se na pressão dos pares. Porque é que as pessoas estão todas aqui a esta hora da tarde, isso já foi referido por vários oradores, há evidentemente algum interesse do que estará a ser aqui dito mas também há uma pressão dos pares que depois falam entre si a dizer bem ou a dizer mal. Mas quer dizer não há dúvida que há uma pressão dos pares. Se só estivesse aqui um não havia mais essa pressão, agora há. E não há dúvida que isso é assim, que as nações conseguem ir adoptando políticas que são impopulares.
Portanto, não há a vitória eleitoral, há sim a pressão dos pares. Isso nas instituições do Bretton Woods não existe, são imposições e a arquitectura financeira internacional não tem evoluído o suficiente, porque a Europa está dividida e em particular os membros do G7 quando chegam a Washington já não querem saber dos seus parceiros europeus, é só o directório dos grandes países. Com a entrada do Euro, estamos em condições de aumentar a portabilidade da experiência europeia. Nesse sentido não há dúvida que os acontecimentos do 11 de Setembro, com todo o lado trágico que têm, voltam a introduzir o elemento da segurança. Ora, além do Euro é Shengen que tem a ver com a segurança das pessoas.
O outro elemento que tem sido positivo na Europa, e não há dúvida que o elemento atlântico voltou a ter uma grande importância, não no sentido de dar a ideia de Europa contra a América ou a Europa contra uma visão adversarial mas sim uma visão cooperativa que aliás inclui países com graus de desenvolvimento diferente. E onde penso que, apesar da dificuldade que me causa a conjuntura actual e o receio que tenho de Portugal não estar a aproveitar a reputação que adquiriu há uns anos atrás, não há dúvida que a exigência dos países em desenvolvimento é, neste momento, terem a capacidade de serem vistos apreciados os seus progressos. Foi exactamente o que aconteceu com Portugal: quer dizer mais uma vez o que aconteceu com Portugal foi que os mercados financeiros internacionais acreditaram na mudança de regime português antes dos cidadãos. Vejam a diferença com o caso do México, onde a classe média já estava a gastar e pensar que vivia em Miami, gastando à grande. Entretanto os mercados financeiros internacionais, os "traders" (aquela gente que tem de adivinhar as incoerências da política governamental) a certa altura, em 1994, desconfiaram e foi o colapso financeiro, o chamado efeito tequila.
Não houve "efeito bagaço" em Portugal e podia ter havido. Houve o contrário, o que houve em Portugal foi os mercados dizerem: "não, sim senhor, a política é boa" e as pessoas dizerem "será"? Será mesmo que a inflação vai baixar? Será mesmo que os juros vão baixar? Não me cheira! E depois aparece o outro, que estava sempre a dizer mal, agora diz que sim! (não estou a pensar em ninguém em particular) Bem, se calhar é verdade!". Esta desconfiança, esta defensividade portuguesa aplicou-se até aos próprios governantes. Porquê? Eu volto a dizer: por causa da constituição fiscal que é realmente um grande peso que penso deve ser analisado. Espero que se consiga uma abordagem pluridisciplinar nessa matéria.
Quero citar Denis de Rougemont que é um grande federalista, tanto mais que tentei convencer-vos de que o federalismo não é necessário para termos uma Europa forte em que a multiplicidade das nossas pertenças esteja plenamente consagrada. Ora ele disse que um país, uma nação nunca se pode definir sem se comparar com outros e portanto sem haver a tal pressão dos pares. Por trás desta citação está um dos princípios da construção europeia que já foi várias vezes citado e que vem no artigo 1º do Tratado, a proximidade cada vez maior dos povos da Europa.
Depois da sincronicidade e do "get out of my tax", ia propor-lhes esta formula para nos lembrarmos quando pensamos em Portugal e na construção europeia, que apesar de todas as dificuldade valeu, vale e valerá a pena.
Conclusão
A Europa vale a pena porque, estando próximos de uma Europa flexível, ela torna-se como que um seguro contra a voracidade. Esta ideia da Europa seguro faz parte do mito que denunciei acima mas, a haver seguro, deveria ser contra a voracidade, restaurando a constituição fiscal no seu papel de raíz da combinação entre liberdade política e financeira.
Esta expressão da Europa ser o próximo implica que temos de considerar a Europa diferente de nós e por isso ela deve ser flexível além de próxima. Só assim nos vai permitir não só beneficiar da construção europeia mas também, tão ou mais importante, nós próprios beneficiarmos a construção europeia e a ideia de Europa com a nossa experiência de luta contra a voracidade fiscal e pelo bem comum. Felizmente, desde a conferência, voltou a sincronicidade. Infelizmente, também se tornou óbvio para todos os contribuintes portugueses que se tinham perdido dez anos na reforma da administração pública e que os custos da voracidade fiscal se tinham tornada insuportáveis.
Referencias
Baldwin, Richard, Erik Berglof, Francesco Giavazzi and Mika Widgren, Nice Try: Should the Treaty of Nice be Ratified? Monitoring European Integration 11, CEPR: London, 2001
Macedo, Jorge Braga de (1999), Portugal's European Integration: the limits of external pressure, Nova Economics Working Paper nº 369, Dezembro.
Macedo, Jorge Braga de (2001), The Euro in the International Financial Architecture Acta Oeconomia, vol 51 (3), 2000/2001, pp. 287-314.
Macedo, Jorge Braga de, José Adelino Maltez e Mendo Castro Henriques, Bem Comum dos Portugueses, Lisboa: Vega, 1999, 2ª edição
Maddison, Angus (2001), The world economy: a millenial perspective, Paris. OECD Development Centre.
Table 1: Chronology of the ERM crises regime
(from the entry to the first realignment)
Date |
Smoothed probabilities |
||||
Very low |
Medium |
High |
Very high |
||
04/08/92 |
0% |
4% |
72% |
24% |
|
04/15/92 |
0% |
3% |
71% |
27% |
|
04/22/92 |
0% |
0% |
63% |
37% |
|
04/29/92 |
0% |
0% |
64% |
36% |
|
05/06/92 |
0% |
0% |
78% |
22% |
|
05/13/92 |
0% |
0% |
85% |
15% |
|
05/20/92 |
0% |
1% |
91% |
8% |
|
05/27/92 |
0% |
1% |
93% |
6% |
|
06/03/92 |
0% |
2% |
93% |
5% |
|
06/11/92 |
0% |
1% |
91% |
7% |
|
06/17/92 |
0% |
1% |
87% |
11% |
|
06/24/92 |
0% |
1% |
81% |
17% |
|
07/01/92 |
0% |
0% |
65% |
35% |
|
07/08/92 |
0% |
0% |
48% |
52% |
|
07/15/92 |
0% |
0% |
30% |
70% |
|
07/22/92 |
0% |
0% |
34% |
66% |
|
07/29/92 |
0% |
0% |
30% |
70% |
|
08/05/92 |
0% |
0% |
26% |
74% |
|
08/12/92 |
0% |
0% |
21% |
79% |
|
08/19/92 |
0% |
0% |
6% |
94% |
|
08/26/92 |
0% |
0% |
21% |
79% |
|
09/02/92 |
0% |
0% |
27% |
73% |
|
09/09/92 |
0% |
0% |
26% |
74% |
|
09/16/92 |
0% |
0% |
16% |
84% |
|
09/23/92 |
0% |
0% |
13% |
86% |
|
09/30/92 |
0% |
0% |
5% |
95% |
|
10/07/92 |
87% |
0% |
6% |
6% |
|
10/14/92 |
93% |
0% |
6% |
1% |
|
10/21/92 |
93% |
0% |
7% |
0% |
|
10/28/92 |
92% |
0% |
8% |
0% |
|
11/04/92 |
83% |
0% |
16% |
0% |
|
11/11/92 |
0% |
0% |
99% |
0% |
|
11/18/92 |
0% |
0% |
98% |
1% |
|
11/25/92 |
0% |
0% |
96% |
4% |
Table 2: Chronogy of the ERM crises regime
(from the first realignment to the widening of the bands)
Date |
Smoothed probabilities |
|||
Medium |
High |
Very high |
||
12/02/92 |
0% |
96% |
4% |
|
12/09/92 |
0% |
93% |
7% |
|
12/16/92 |
0% |
90% |
10% |
|
12/23/92 |
0% |
84% |
16% |
|
12/30/92 |
0% |
88% |
12% |
|
01/06/93 |
0% |
87% |
13% |
|
01/13/93 |
0% |
92% |
8% |
|
01/20/93 |
0% |
93% |
7% |
|
01/27/93 |
0% |
95% |
5% |
|
02/03/93 |
1% |
95% |
4% |
|
02/10/93 |
1% |
94% |
6% |
|
02/17/93 |
0% |
89% |
11% |
|
02/24/93 |
0% |
92% |
8% |
|
03/03/93 |
0% |
93% |
6% |
|
03/10/93 |
1% |
94% |
5% |
|
03/17/93 |
3% |
95% |
3% |
|
03/24/93 |
3% |
94% |
2% |
|
03/31/93 |
5% |
93% |
2% |
|
04/07/93 |
6% |
91% |
3% |
|
04/14/93 |
7% |
89% |
4% |
|
04/21/93 |
7% |
84% |
9% |
|
04/28/93 |
7% |
75% |
18% |
|
05/05/93 |
6% |
56% |
38% |
|
05/12/93 |
0% |
10% |
90% |
|
05/19/93 |
0% |
0% |
100% |
|
05/26/93 |
0% |
1% |
100% |
|
06/02/93 |
0% |
0% |
100% |
|
06/09/93 |
0% |
0% |
100% |
|
06/16/93 |
0% |
2% |
98% |
|
06/23/93 |
0% |
4% |
96% |
|
06/30/93 |
0% |
4% |
96% |
|
07/07/93 |
0% |
4% |
96% |
|
07/14/93 |
0% |
0% |
100% |
|
07/21/93 |
0% |
0% |
100% |
|
07/28/93 |
0% |
0% |
100% |
|
08/04/93 |
0% |
44% |
56% |