Um aluno que não sabia que viria a ser professor
Dos doze anos que passei no Liceu Frances Charles Lepierre guardo muitas recordações vivas, logo desde o meu primeira dia no jardim de infância, há cinquenta anos, na aula da Mademoiselle Azémar. Lembro-me nitidamente que ao princípio não percebia nada do que se dizia mas que pouco depois (horas, dias, semanas?) já julgava perceber! A minha recordação é pois de uma aprendizagem muito suave da língua francesa graças a professores e colegas excelentes, com quem ainda hoje me encontro regularmente em Paris e em Lisboa. Sem aquele registo (quase) inicial de suavidade, talvez não tivesse conseguido ser bom aluno.
Queria recordar também o Monsieur Touraton, professor de história e geografia, que era generoso mas algo inepto. Com os meus colegas de aula, gostavamos de fazer traquinices ao senhor. No dia seguinte às manifestações do dia do estudante de 1962, decidi vir à aula de braço ao peito e com um olho vendado. Quando ele me perguntou o que tinha acontecido respondi com ar blasé que uma bala perdida da PIDE me tinha atingido na Praça do Comércio. Fomos chamados nessa altura para o recreio para tirar a fotografia de curso mas eu vi que ele estava preocupado comigo e, depois do retrato, decidi tirar a venda dos olhos. Ele ficou aliviado por eu estar bem e não furioso com a brincadeira. Tenho pena de lhe ter dado desgosto. A verdade é que não me passava pela cabeça que eu próprio viria a ser professor!
Jorge Braga de Macedo