REPUTAÇÃO FINANCEIRA

E ÉTICA EMPRESARIAL:

UMA PERSPECTIVA LUSÓFONA

Jorge Braga de Macedo

Faculdade de Economia,

Universidade Nova de Lisboa

Notas destinadas à aula de 13 de Janeiro de 1999 do 2º curso sobre economia da política de cooperação africana, levado a cabo na NovaForum com o patrocínio do Instituto de Cooperação Portuguesa e coordenação do autor. O texto segue de perto partes do capítulo 12 de Bem Comum dos Portugueses, livro no prelo, elaborado em conjunto com os Profs. Doutores José Adelino Maltez, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, e Mendo Castro Henriques, da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.

Hierarquia financeira e "saltos de rã"

Já antes da reunião annual do FMI surgiram propostas dos principais países para governar a economia global, mas na Europa do euro reina uma certa indiferença acerca do assunto. A UE considera-se modelo de governo supranacional e no próprio relatório sobre perspectivas da economia mundial publicado pelo FMI em fins de Setembro de 1998 se incluí uma resenha dos vários mecanismos de cooperação usados na UE, incluíndo os da supervisão multilateral. Em matéria orçamental esta supervisão foi concebida para definir os primeiros países membros do euro e para os obrigar a um pacto de estabilidade financeira. Por outras palavras, os onze países membros da união monetária europeia, também chamada eurolândia ou eurozona, julgam ter evitado o contágio da crise financeira internacional iniciada nos mercados emergentes da Ásia no Verão de 1997. Resta-lhes apenas alguma curiosidade relativamente a tentativas de governar a economia global propostas por ingleses ou americanos.

Portugal não foge à regra da indiferença da eurolândia frente à globalização. Mais do que em qualquer um dos onze, contudo, esta indiferença revela uma notável capacidade de esquecer o estatuto de mercado emergente que há poucos anos ainda lhe era atribuido. Nos chamados mercados emergentes, em que a baixa notação creditícia revela a probabilidade de repúdio ou de rescalonamento forçado da dívida, a globalização suscita mais paixões a favor ou contra do que ocasionais artigos de opinião. Reflexo imediato da reputação financeira de que Portugal goza desde que a sua dívida externa passou a ter notação elevada em 1993 é a globalização surgir associada a pronunciamentos de escritores internacionalmente premiados. Posto que denunciada em Estocolmo por um prémio Nobel da literatura português, a globalização ajuda mais ao desenvolvimento das nações pobres do que mil iniciativas de política de cooperação bilateral, promotoras de proteccionismo e de corrupção.

A razão é simples. A globalização, embora resulte das decisões descentralizadas de empresas em todo o mundo, tem uma hierarquia que segue a reputação financeira e a eficácia da luta contra a corrupção. No topo da hierarquia encontram-se as democracias mais avançadas da OCDE, com notações creditícias e índices de transparência máximos. Abaixo figuram várias periferias, com notações e índices que se vão afastando dos melhores padrões para chegar a valores muito medíocres em África, na ex-União Soviética e noutras partes da Ásia. Aí o investimento internacional só penetra para extraír matérias primas ou explorar baixos salários, desprezam-se princípios de bom governo como a coesão e a maioria nacional e a corrupção impera.

Às vezes salta-se na hierarquia, aquilo a que se costuma chamar um "salto de rã". Foi o caso de Portugal no início dos anos 1990, quando o seu PIB por cabeça ultrapassou o da Grécia. Tais saltos de rã são raros e resultam de políticas económicas e sociais sustentáveis e sustentadas. Assim os "tigres asiáticos" ultrapassaram muitos países fundadores da OCDE, entre os quais Portugal, em rendimento médio, graças a elevadas taxas de crescimento do PIB registadas durante décadas sucessivas. Mesmo tendo em conta que a actual crise financeira na Ásia fez regressar a pobreza aos "tigres", estas continuam a ser economias avançadas e com forte capacidade de ajustamento num horizonte de alguns anos.

Acontece, contudo, que as políticas económicas seguidas ao longo de décadas privilegiaram o crescimento do PIB em detrimento do coesão social e da ética empresarial, o que agravou os efeitos da recente crise. Por outras palavras, os "saltos de rã" podem ser invertidos.

Isso pode acontecer a qualquer país que abandone os princípios de bom governo, entre os quais se inclui a defesa dos direitos de propriedade, ou qualquer economia que se veja duradouramente isolada dos mercados internacionais. Essa economia nacional há-de crescer mais devagar do que economias nacionais onde se protegem os direitos de propriedade e de livre iniciativa não os interesses instalados, onde os impostos são moderados e onde floresce o comércio internacional em bens, serviços e activos financeiros.

Esta ideia, já defendida pelo filósofo escossês Adam Smith, considerado "pai fundador da economia política com o seu Ensaio sobre a Origem e causas da Riqueza das Nações, de 1776, foi recentemente comprovada empíricamente por Jeff Sachs e Andy Warner comparando as taxas de crescimento entre os dois tipos de economia e concluíndo a favor da convergência das economias abertas em que se respeitam os direitos de propriedade e a ética empresarial, quer através dos valores sociais quer de tribunais que funcionam. Pelo contrário, ameaçando o direito de propriedade com impostos presentes ou futuros elevados, ou protegendo as empresas nacionais da concorrência internacional, os governos podem ganhar eleições mas violam o contrato social em desfavor das gerações futuras.

Essa violação dos princípios de bom governo reduz o potencial de crescimento económico, a competitividade das empresas e a criação de emprego, tanto mais quanto mais instáveis os mercados financeiros internacionais. Há divergência dessas economias relativamente ao padrão dos países mais avançados. Tal divergência agrava-se quando há turbulência nos mercados. Porque em períodos de calma, qualquer nação, região, cidade ou empresa consegue obter crédito, por vezes até em excesso. Surge uma crise financeira, a hierarquia reafirma-se, invertem-se "saltos de rã" passados e sofrem as populações.

Como se vê nas contas geracionais para Portugal a ser publicadas para o NBER (e reproduzidas no capítulo 18 de Bem Comum dos Portugueses), um baixo risco de crédito é uma garantia para os nossos filhos. As liberdades futuras exigem uma política orçamental sustentável, e esse juízo faz-se no presente, traduzindo-se em credibilidade nacional.

Raízes Sociais da Política Externa

Ressaltam do manifesto histórico descrito na parte I várias vocações nacionais, que são outras tantas pertenças dos portugueses. A globalização económica e financeira parece reduzir as pertenças nacionais a resquícios do passado, mas pode acontecer exactamente o contrário. Basta entender as pertenças como as próprias raízes sociais e económicas da política pública ao nível local, nacional e internacional - não como meras opções de política externa de um Estado-nação. Ao salientar as pertenças europeia e lusófona relativamente à tradicional antinomia entre a vocação continental e a marítima, estamos a entendê-las precisamente como os valores sociais nos quais assenta o bem comum dos portugueses. Este o entendimento que, há mais de vinte anos, defendi perante a comissão de assuntos africanos do congresso americano sobre o caso angolano.

Ao descrever as implicações da globalização para a política pública de um Estado-nação como Portugal, salientam-se os efeitos que possa ter a actual crise financeira em mercados emergentes.

A pertença lusófona dá voz a uma herança comum com o Brasil e cinco países africanos, sendo motor de iniciativas públicas e privadas que visam dar voz ás comunidades lusófonas e de lusodescendentes espalhadas por todo o mundo. A pertença lusófona não coincide com regimes políticos, tendo-se firmado apesar da guerra colonial na medida em que o esforço de fomento foi acompanhado de uma sensibilidade política mútua que a descolonização não eliminou. Pelo contrário, permitiu que a lusofonia se tornasse uma pertença presente.

Na pertença europeia radica pois a ideia portuguesa da Europa, sendo também motor da integração de Portugal na UE e no euro. Nem sempre a pertença europeia existiu de forma positiva na nossa história, havendo pelo contrário casos em que ela tolheu a liberdade política, financeira ou uma e outra. Mesmo limitadas aos últimos duzentos anos, tais ocorrências não coincidem contudo com regimes políticos, como ficou claro dos capítulos 5 e seguintes de Bem Comum dos Portugueses.

Assim, no capítulos 9 de Bem Comum dos Portugueses relata-se o isolacionismo em que Portugal se colocou durante a grande depressão dos anos 1930, seguindo-se depois da guerra uma participação activa posto que cautelosa na integração comercial europeia e mundial, que nos levou para a EFTA e o GATT. Como salientam os capítulos 10 e 11 de Bem Comum dos Portugueses, seguiu-se em 1972 a associação à CEE e em 1977 o pedido de adesão. Entre ambos mudara o mundo com a crise do petróleo e Portugal com uma restauração da democracia que ignorou a mudança mundial.

Também agora os portugueses, anestesiados pelo euro, ignoram a crise financeira internacional. Fazem mal, porquanto a consagração da economia portuguesa no mercado global só ocorrerá quando as empresas aqui sediadas se começaram a reorganizar para o efeito, respondendo ao que as empresas sediadas noutros países têm levado a cabo nos últimos anos, muitas vezes através de fusões internacionais.

Além das pertenças europeia e lusófona, podem enunciar-se como interesses prioritários a diplomacia económica, para fomentar a internacionalização da economia nacional, a atracção do investimento estrangeiro e a promoção dos interesses comerciais nacionais, preferencialmente com países vizinhos, nomeadamente os do Magrebe e a Espanha, bem como a participação nas causas transnacionais da comunidade internacional, com especial relevo para a questão da defesa dos direitos do homem e o caso de Timor Leste.

É fácil ver que as duas pertenças presentes se articulam entre si tanto mais facilmente quanto mais claramente forem expressos os interesses nacionais no concerto europeu. Dessa articulação, deduzem-se por seu turno os interesses enunciados visto que, em todo o mundo, a UE se envolve na diplomacia económica e na luta pelos direitos humanos. Nessa linha, Jorge Borges de Macedo lembra nas suas Constantes e Linhas de Força que "...a defesa nacional está dependente não só da política externa que particularmente fôr seguida como, sobretudo, da credibilidade quanto aos compromissos que tivermos, dentro dos dois conjuntos em que estamos inseridos — atlântico, europeu." Credibilidade que, já o sabemos, vai das pertenças presentes às liberdades futuras, que garante. Credibilidade que, acrescente-se, exige uma participação duradoura na globalização da actividade económica e financeira.

A participação das empresas portuguesas na economia global está a dar os primeiros passos desde que, no início dos anos 1990, se combinaram de novo a liberdade política e financeira dos portugueses. O cansaço do Japão, que agravou a crise dos mercados emergentes asiáticos em 1997 e da Rússia no Verão de 1998, teve efeitos nos Estados Unidos no Outono de 1998 com uma baixa substancial das taxas de juro. Em toda a UE, a crise, que afecta desde logo o planeado alargamento a Leste, tem sido largamente ignorada por causa do lançamento do euro. Daí que, também em Portugal, os seus efeitos tenham sido tão amortecidos como em qualquer outro membro do clube dos onze.

Mas tal não impede que o bem comum presente e futuro dos portugueses possa ser ameaçado pelos efeitos da crise financeira internacional. Basta, por exemplo, que a economia brasileira não consiga completar o ajustamento acordado com o FMI depois das últimas eleições presidenciais em que foi renovado o compromisso com uma política de estabilidade cambial. Alternativamente, basta que prossiga a revisão em baixa das previsões de crescimento económico para 1999 para que a crise afecta a eurolândia, que só em Dezembro de 1998 seguiu a baixa das taxas de juro americana e inglesa decidida em Setembro pelos respectivos bancos centrais. Revela-se a lentidão relativa do processo de coordenação da política monetária única no chamado Sistema Europeu de Bancos Centrais, o que leva a lamentar que não haja mais interesse em melhorar os processos de supervisão multilateral no domínio monetário e orçamental. A eurolândia pode ter a fama da estabilidade e não ter o proveito. Se calhar uma abordagem destas conseguiria combinar melhor competitividade, solidariedade e credibilidade do que imposições americanas assinadas há cinquenta anos no tratado constitutivo do FMI e do Banco Mundial. Para já, governar a economia global vai manter-se um objectivo distante, a justificar alusões à tirania dos mercados destituídas de qualquer solução alternativa viável.

Estabilidade macro e flexibilidade micro

Apesar da voga do economicismo, poucas pessoas confiam na sua própria capacidade de avaliar as notícias diversas e contraditórias que vêm, ouvem e lêm nos meios de comunicação acerca das "grandes" questões económicas, que sabem chamar-se questões macroeconómicas. Podem até crer que os instrumentos analíticos e os métodos quantitativos que os economistas aprendem servirão para ter posição formada sobre questões macroeconómicas, nacionais, europeias ou mundiais. Mas não se sentem à vontade para distinguir uma opinião séria e sensata dum juízo demagógico ou dum preconceito.

Quer o debate tenha a ver com a conjuntura portuguesa e as perpectivas de desenvolvimento económico nacional, quer toque na construção europeia e nomeadamente no euro, quer implique as perspectivas dos EU ou Japão, as pessoas não têm segurança para ponderar os custos e benefícios das alternativas em presença. E as mais das vezes os jornalistas, políticos, empresários ou académicos que participam no debate não ajudam à ponderação das alternativas, antes se esforçam por confundi-las. Daí o sucesso que, nesses contextos mediáticos, têm soluções "simples" e "claras" mas que se revelam inviáveis e mesmo perversas para o economista profissional.

Por maioria de razão, se no debate estiver em causa o potencial da Rússia, China, Brasil ou África do Sul, as pessoas não têm bem ideia daquilo que permite uns países crescerem mais do que os outros, levando aos ocasionais "saltos de rã". E menos ainda conseguem perceber porque é que uns países são vítimas de crises financeiras que eliminam em poucos dias anos de progresso económico e social, ao passo que outros escapam a essas crises. No momento actual, as pessoas estão por isso singularmente vulneráveis a ideias bem sonantes que, usando os conhecimentos sobre consumidores, trabalhadores e empresas, que já possuem, possam racionalizar o meio económico ambiente.

Num ambiente de instabilidade macroeconómica, onde se encontram quase todos os mercados emergentes, não se pode promover o interesse dos consumidores e dos votantes na ética e na transparência - e menos ainda reduzir a instabilidade do consumo individual.

Nem é possível estabilizar a economia nacional num ambiente de instabilidade política em democracia como a que Portugal tem vivido nos últimos duzentos anos, com duas excepções: 1854-1891, o padrão-ouro e a última década. Cada um dos principais partidos políticos portugueses alternadamente se reclama da estabilidade e da segurança, considerando o outro portador de instabilidade e insegurança. Mas como, dentro da estabilidade, o eleitorado parece querer mudança, os líderes partidários associam a "sua" estabilidade e flexibilidade e rejeitam a estabilidade dos outros - que julgam antes rígidez.

Poderia dizer-se que todos querem a "sua" estabilidade - que associam e flexibilidade - e rejeitam a estabilidade dos outros - que julgam antes rigidez. O aproveitamento pelo PS da estabilidade governativa e financeira defendida pelo PSD não é mais do que uma ilustração gritante deste rotativismo exacerbado.

Este paradoxo típico das democracias avançadas tem implicações imediatas nas políticas para o crescimento, competitividade e emprego que a UE tem vindo a adoptar desde 1993. Trata-se de responder ao aumento espectacular do desemprego na economia europeia, mas até à data os progressos têm sido menos que modestos porquanto as políticas propostas estão desgarradas do ciclo vital, não conseguindo assim alterar as estruturas mais rígidas que prevalecem nos mercados de trabalho e capitais europeus. Volta-se ao tema no capítulo 15 de Bem Comum dos Portugueses, ao enquadrar as liberdades futuras no ciclo vital.

Regras subjacente ao contrato social

Não é preciso economicismo, basta o bom senso para afirmar que, caso não forem alteradas as regras subjacentes ao contrato social, a coesão nacional sofrerá com o aumento de impostos pagos ou o decréscimo das transferências que lhes servem de contrapartida. Se o mundo escapou no passado à insegurança das nacionalizações e dos confiscos da guerra fria, deverá hoje conseguir dar segurança contra os impostos excessivos no presente e no futuro. Até porque esse sentimento de insegurança fiscal, ele próprio, chega para gerar a desconfiança dos mercados e portanto ameaçar o emprego.

Aqui é evidente a distorsão do imposto. Ao subtrair uma parte do produto do trabalho quer do próprio trabalhador quer do empregador, o imposto desencoraja duplamente o emprego, desencoraja o trabalho e favorece o lazer. Havendo perspectiva de aumento de salário pela via da educação, também chamada formação de capital humano, pode haver a substituição de trabalho barato hoje por trabalho caro amanhã.

Embora nenhum destes problemas seja específico do Estado-nação, é nesse âmbito que ainda se colocam. Mas existem cada vez mais problemas que exigem regulação global, ou pelo menos comunitária. Desde os direitos do consumidor à protecção do meio ambiente e à prevenção das crises financeiras que têm atingido não só os mercados emergentes mas também os bancos e instituições financeiras da área da OCDE, nomeadamente o Japão, mas também EU e UE.

Assim, uma das características da economia global, que se firmou com o desaparecimento da União Soviética , é a produção em massa de bens de consumo, inexistentes ou considerados de luxo pelas gerações anteriores. Lançam-se assim nos mercados grande variedade de produtos e serviços, perante os quais o consumidor carece de informação que fundamente uma escolha acertada, baseada na melhor relação qualidade-preço. Generalizou-se assim a intervenção de associações que visam concretizar direitos fundamentais dos consumidores.

Também a progressiva consciencialização das populações relativamente aos problemas ambientais como o desperdício de recursos, a contaminação do ar e da água, tem conduzido as organizações dos consumidores a ampliar a sua esfera de acção. O resultado da insatisfação dos consumidores pode consistir na defesa destes contra fabricantes e distribuidores que utilizam práticas comerciais agressivas, publicidade enganosa, rotulagem incorrecta ou abuso de uma posição dominante no mercado; pode igualmente consistir na intervenção concertada do Estado, das organizações dos consumidores e das empresas de forma a garantir uma evolução satisfatória do quadro regulador das relações entre consumidores e os seus parceiros económicos, evitando situações de insegurança e perda de mercados por ausência de boa reputação dos produtos.

Códigos de conduta empresarial

Na mesma linha, as empresas têm adoptado códigos de conduta baseados na ética, como meio de promover um relacionamento transparente entre os vários intervenientes no mundo dos negócios. A promoção da ética e da transparência estimula o crescimento e desenvolvimento sustentado e reforça a coesão e a solidariedade nacional, bem como potencia o establecimento de parcerias duradouras. Normalmente, os códigos de conduta empresarial cobrem as seguintes áreas: relações da empresa com o governo; relações da empresa com a comunidade que a rodeia; relações da empresa com os seus accionistas e empregados; divisão de responsabilidades, no seio da empresa, entre órgãos de administração, gestão, fiscalização e auditoria. Tais códigos de conduta incorporam valores de integridade aplicáveis em qualquer sociedade, sem prejuízo do respeito pela diversidade de culturas, tradições, usos e costumes existentes. Como tal, têm sido favorecidos por quase todas as organizações internacionais (Nações Unidas, Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial, Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, OCDE, etc).

A boa conduta empresarial tem como pressuposto fundamental a existência de um ambiente macroeconómico estável, que favoreça e proteja o investimento, e de um sistema de normas jurídicas reguladores da actividade empresarial claro, coerente e passível de aplicação coerciva, em caso de incumprimento, por tribunais eficientes e independentes.

Tal como a inflação compromete a credibilidade dos governos, práticas como o pagamento de comissões ilegais para obter vantagens no mercado, a falta de escrupúlos na contaminação do ambiente, a colaboração com regimes políticos tirânicos e a colocação mo mercado de produtos prejudiciais para a saúde comprometem a credibilidade das empresas. A tentativa de alterar estas práticas favoreceu a institucionalização da ética no interior das empresas, revelando que, como se diz na gíria, a corrupção é mau negócio.

A expansão do interesse ético das questões ligadas ao mercado está bem patente na multiplicação de estudos e publicações económicas e até filosóficas sobre esta temática, como são as ligadas ao já referido constitucionalismo económico no qual se pode radicar uma ética empresarial que obriga o Estado a respeitar os que chamamos as pertenças presentes e as liberdades futuras dos cidadãos. Registe-se contudo a ausência de consenso cultural para decidir os critérios fundamentais da moral e o relativismo moral no que se refere aos procedimentos necessários à resolução pacífica dos conflitos. Por outras palavras, a ética assenta numa noção do bem comum que tem andado alheia do pensamento político dominante.

A promoção da ética empresarial tem implicações imediatas no plano da luta contre a corrupção. Esta é explicitamente ou implicitamente ilegal em qualquer país que possua um sistema jurído implantado, daí que ela não possa constituir uma opção em aberto para nenhuma empresa, pública ou privada. Mesmo assim, existem graus elevados de tolerãncia social contra certas práticas, chamadas por vezes de corrupção "suave", traduzidas em pequenos subornos dos funcionários que estão na base da hierarquia. Não há, contudo, diferença entre estas práticas e o suborno daqueles que estão no topo da administração.

Os conflitos de interesse, as comissões ilegais, o mau uso da informação e o tratamento inadequado dos fornecedores e compradores são fonte dos quatro maiores problemas de ética empresarial.

Muitas empresas, particularmente multinacionais, tem os seus códigos de conduta, nos quais podem incluir precauções anti-corrupção. Alguns negócios e organizações profissionais e comerciais têm códigos de conduta para os seus membros, mas eles funcionam mais como conselhos do que como regras de trabalho.

Existem três grandes áreas nas quais as empresas privadas são tentadas a subornar, participando assim na corrupção em grande escala. A primeira área, relaciona-se com o facto de ser muito difícil para qualquer empresa, sobretudo nos países em desenvolvimento, ganhar os grandes contratos com o Estado, sem pagar avultados subornos. Habitualmente existe um intermediário que recebe uma comissão em percentagem quando o negócio é fechado. As empresas justificam esta prática não apenas por necessidades negociais, mas também porque ela está de acordo com os hábitos locais.

Embora qualquer forma de suborno seja moralmente condenável, o suborno nos negócios internacionais é geralmente desculpado, porque todos o fazem, encontramos aí uma segunda área de corrupção. Por vezes pode até ser moralmente defendida uma vez que, se o negócio for bem sucedido, pode criar ou manter postos de trabalho que em última análise podem ser criados noutro local.

Uma terceira área de corrupção resulta de negócios com empresas que estão sem trabalho e procuram criá-lo oferecendo atactivos subornos aos decisores para aprovarem compras ou projectos desnecessários.

Um dos princípios mais importantes da competitividade traduz-se na aceitação de que os contratos devem ser ganhos pelas empresas oferecem melhor combinação entre preço e qualidade entre outros factores, tais como os prazos de entrega e de financiamento. A corrupção destrói este princípio de competição justa e livre e ofende as regras da Organização Mundial do Comércio, sendo assim perseguida por esta tal como por outras organizações internacionais como as Nações Unidas ou o Banco Mundial.

Abraço armilar

A participação na economia global reflecte a dinâmica empresarial e a coesão social das várias economias nacionais. A língua comum facilita as ligações culturais e até económicas. É o caso dos países independentes de língua portuguesa e das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. A comunidade entre estados independentes, numa primeira fase, levou a uma cooperação bilateral em domínio sobretudo económico. No final da década de 80 e no quadro das novas relações entre estados que apontam para a criação de organizações multilaterais, nasceu a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) entre Portugal, Brasil e os cinco países africanos lusófonos.

O diálogo e a cooperação entre os sete países de lingua portuguesa e o intercâmbio entre as comunidades portuguesas no mundo e lusodescendentes abrange a reflexão sobre os problemas que se deparam à promoção da lusofonia, a nível de afirmação política, económica, social, cultural e dos "media". Procura-se, através do debate destas matérias influenciar não só a sociedade civil como as empresas, os governos e outros decisores.

Os participantes dos países e comunidades lusófonas podem ter como desígnio principal o abraço armilar, segundo as palavras de Almerindo Lessa. O significado etimológico de pulseira (armila em latim) evoca o globo como um braço, tornando assim o abraço global, quase redundante. Abraço armilar que suscita a mobilização dos vários micro-poderes capazes de sustentar o regime democrático e o ideal histórico concreto de Estado de Direito. Abraço armilar que reconhece uma soberania limitada por princípios éticos aceites internacionalmente e pelos direitos do homem no plano externo. Abraço armilar que sustenta um poder democrático legítimo assente na cultura interna de cada povo.

Os portuguese que, nos fins da Idade Média se lançaram na aventura das viagens marítimas descritas nos capítulos 3 e 4 de Bem Comum dos Portugueses semeou o diálogo universal do abraço armilar, essa circum-navegação pelo jus communicationis. Uma das consequências deste processo foi a emergência de um espaço plural e policêntrico de povos, culturas, e comunidades, Estados, uma verdadeira rede de comunidades lusófonas.

O fundamento dessa rede não é tanto acreditar que valeu a pena esse investimento português, quanto saber que o relacionamento mútuo das comunidades lusófonas - e a sua imagem recíproca - se foi ajustando às realidades dos tempos.

Hoje em dia, face aos pequenos e grandes estados de Brasil, Cabo Verde, Guiné, S.Tomé, Angola e Moçambique, Portugal é, na frase bela do angolano Costa Andrade, um dos heterónimos sem ortónimo. Camões e Pessoa, e também Agostinho Neto e Luandino, Jorge Amado, Amilcar Cabral, Craveirinha surgem como vates da poesia dos países e comunidades onde se fala português.

A contribuição de cada um dos países e comunidades lusófonas para a consolidação da rede passa pela própria reidentificação dos nacionais de cada país com uma estratégia de múltiplas pertenças - nacionais e supranacionais - que mobilizem tanto a sociedade política e o aparelho de poder que dela emerge democraticamente, como a sociedade civil na sua configuração pluralista.

Os sete parceiros da CPLP

A criação da CPLP em 17 de Julho de 1996 na presença dos sete Chefes de Estado e de Governo, reunidos em Lisboa, foi uma aquisição política decisiva da lusofonia. A declaração constitutiva indica como fundamentos da organização os valores da paz, democracia, direitos humanos, desenvolvimento e justiça social, refere a língua portuguesa como meio privilegiado dos Sete se projectarem e aponta para o reforço de laços humanos e da solidariedade entre os povos lusófonos.

A CPLP é uma poliarquia, ou seja, uma associação entre estados com objectivos afins, visando a concertação política e macro-económica, e a cooperação para o desenvolvimento empresarial, configuração política com peso crescente nas relações internacionais.

A par deste instrumento político é conveniente e mesmo necessário que, numa ampla conjugação de todos os sectores das sociedades civis dos Sete e das comunidades de portugueses e de lusodescendentes no mundo, se debatam os problemas que se deparam à promoção da lusofonia, a nível de afirmação cívica, cultural e económica.

É no âmbito da sociedade civil que compete abordar questões, tais como a promoção dos direitos humanos e a formação cívica, a protecção do direito de propriedade e a ética empresarial, a preservação do meio ambiente, a melhoria da qualidade de vida das populações, a divulgação adequada dos valores tradicionais, o monitoramento de eleições, a alfabetização de adultos, a formação de recursos humanos, a livre circulação, as políticas de imigração, de forma a fomentar uma consciências críticas lusófonas para os grandes desafios do século XXI.

Entre os parceiros da comunidade, os portugueses representam menos de dez por cento da população dos países e comunidades lusófonas. Os milhões de km2 de zona económica exclusiva multiplicados pelas regiões autónomas dos Açores e da Madeira mostram contudo uma inequívoca vocação de país atlântico. Portugal pode assumir-se como intermediário no Norte dessa comunidade, majoritariamente situada a Sul, porque pertence a organizações como a UE, e em especial o grupo do euro, a NATO e outras. É trunfo português a pertença a um forum para posições comuns que a comunidade lusófona possa tomar na cena política internacional.

O Brasil detém um peso esmagador do ponto de vista demográfico, territorial e económico. Pertence à Organização dos Estados Americanos, à Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, ao Grupo do Rio, à Conferência Ibero-Americana e à Mercosul, organizações que possuem agendas próprias nas vertentes da concertação política, da integração económica, da preservação ecológica, etc. A integração no espaço das comunidades lusófonas permite ao Brasil adquirir uma pertença universalista para além do continente americano e apresentar-se como "mediador de sensibilidades" europeias e africanas. Não têm contudo sido assumidas as raízes sociais africanas da política externa brasileira, o que fragiliza muito a CPLP.

Os sucessivos governos portugueses têm dado relevo às relações com o Brasil, visando concretizar e desenvolver as orientações contidas no Acordo Geral de Cooperação Política, Económica e Cultural, assinado em Brasília em 1991 e, simultaneamente, valorizar no quadro comunitário a relação da UE com o Brasil e com o espaço Mercosul e do Grupo do Rio.

Estes objectivos são compreensíveis dado o impacto político da relação em causa, nomeadamente no contexto dos fluxos migratórios e questões associadas, que ontem se referiam aos emigrantes portugueses no Brasil e hoje se concentram no movimento em sentido contrário - num momento em que obrigações assumidas na UE começam a ter implicações na política nacional de emissão de vistos e de imigração.

No sector cultural, as questões do Acordo Ortográfico são assuntos pouco consensuais. Por outro lado, as trocas culturais, embora importantes, são submersas pela vitalidade tanto da produção brasileira como do consumo português das telenovelas.

A relação económica entre os dois países é pouco importante, e existem poucas expectativas de melhoria no quadro da integração europeia. Por outro lado é reconhecido que as áreas mais prioritárias do relacionamento externo da UE são os países ACP (África, Caraíbas e Pacífico) e do Mediterrâneo, com os quais existem acordos de associação preferenciais.

O Brasil conta com um acordo bilateral de cooperação que, ultrapassadas as dificuldades criadas pela política proteccionista de substituição das importações, tem possibilidades de desenvolvimento, principalmente se a Mercosul se desenvolver e se tornar um parceiro credível. Como se compreende, a UE tende a dar preferência aos relacionamentos multilaterais.

A mais-valia dos países afro-lusófonos - Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe consiste no seu número e potencialidades económicas e nas relações privilegiadas com as potências regionais africanas das áreas em que se encontram inseridos. Com a transição para a democracia nesses países surgem condições para a consolidação de sociedades politicamente organizadas, segundo um conceito de autodeterminação. A pertença à Organização da Unidade Africana, à Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (conhecida por Sadec) e a outras organizações regionais projecta estes países para além do espaço local. Contudo a coesão nacional tem sido ameaçada quer nos grandes territórios quer nos micro-Estados,

Portugal participou activamente no esforço de mediação para a paz em Angola, incluíndo todo o processo de desmobilização e de preparação das eleições, no período que procedeu o reacender da guerra civil em 1992. Não teve contudo a sequência esperada no apoio à reorganização das forças armadas nacionais angolanas, à estruturação do sistema democrático e à participação no relançamento económico do país. Portugal continua actualmente a acompanhar os esforços para o restabelecimento da paz, mas sem perspectivas de sucesso a curto prazo.

A participação portuguesa no processo moçambicano, partilhada com a Itália, a Grâ-Bretanha, os Estados Unidos e a África do Sul, embora muito mais modesta no período de mediação, foi a única a ter uma dimensão bilateral explícita, derivada da pertença lusófona. Concretizou-se pela presença nas comissões instruídas pelos acordos de paz e pelo apoio ao processo eleitoral, em modos por vezes inovadores, como o que implicou a criação de um fundo para a promoção da democracia pluripartidária e de esquemas para assegurar o pagamento de salários aos militares desmobilizados, por forma a facilitar a sua integração na vida cicivl. Também é de registar o apoio português a projectos económicos para a recuperação do país, nomeadamente a recuperação da barragem de Cahora Bassa. Ao aderir ao Commonwealth em 1995, Moçambique tornou-se o primeiro membro lusófono dessa organização, o que revela bem que a multiplicidade de pertenças não é um exclusivo dos países desenvolvidos como Portugal, antes se aplica mais ou menos a todos os países. No caso de Moçambique, além disso, a percepção de que o ajustamento estrutural acordado com o FMI e o Banco Mundial funcionou está a atraír investimento estrangeiro, e especialmente português.

Depois de apoiar o processo de democratização da Guiné Bissau, que entretanto aderira à zona do franco e à Comunidade de Desenvolvimento Económico da África Ocidental (CDEAO), Portugal assistiu ao eclodir de uma verdadeira guerra civil do Verão de 1998. Desta tragédia humana poderá eventualmente nascer uma identidade guineense susceptível de superar a tentação da francofonia (apoiada pela agressiva e bem dotada política cultural francesa). Sem a violência que vitimou a Guiné Bissau, pode pensar-se o mesmo efeito para as recentes eleições em S. Tomé e Príncipe, que também já aderiu à Comunidade de Desenvolvimento Económico da África Central (CDEAC).

As relações com Cabo Verde, outro membro da CDEAO, prosseguem na normalidade. É de referir que é daí originária a mais importante comunidade de imigrantes em Portugal, concentrada essencialmente na região de Lisboa, o que deveria ser base para um cuidado especial no relacionamento socio-cultural entre os países, sendo possível que um esforço comum viesse a melhorar as condições de integração dos imigrantes no nosso país.

O governo português tem intensificado o esforço junto aos organismos multilaterais, e principalmente na UE no quadro dos Acordos de Lomé, para um apoio ao desenvolvimento económico, para a estabilização democrática e livre iniciativa nos cinco países lusófonos. A perspectiva comercial perdeu relevância frente ao investimento directo e às relações financeiras. Basta lembrar que, em 1973, os mercados africanos absorviam cerca de 15% das exportações portuguesas; em 1990 absorviam cerca de 3,4%. Esta dinâmica só se sente nas economias que estabeleceram a paz, como em Moçambique, mas mantém-se adiada no caso angolano, aquele que maiores expectativas criou, e inverteu-se no caso da Guiné-Bissau.